quarta-feira, 26 de maio de 2010

Woody Allen






O chefão


Estava sentado no meu escritório, a limpar o lixo do meu 38 e a matutar sobre quando chegaria o próximo caso. Gosto de ser detective privado e apesar de, de vez em quando, ter as gengivas massajadas com uma chave de rodas de
automóvel , o doce cheiro das notas de banco faz com que tudo valha a pena. Para já não falar das pequenas, uma preocupação menor para mim, que a coloco logo à frente do acto de respirar. Eis porque, quando a porta do escritório se abriu e uma loira de cabelos compridos chamada Heather Butkiss entrou a passos largos e me contou que era modelo de nus e precisava do meu auxílio, as minhas glândulas salivares engataram em terceira. Ela trazia uma saia muito curta e uma blusa justa e o corpo descrevia uma série de parábolas que teriam produzido uma paragem cardíaca num yak.

- O que posso fazer por si, doçura?

- Quero que me encontre uma pessoa.

_ Uma pessoa que desapareceu? Já tentou a polícia?

- Não exactamente, senhor Lupowitz.

- Chame-me Kaiser, doçura. Está bem, qual é galho?

- Deus.

- Deus?

- Exactamente, Deus. O Criador, o Príncipe Subjacente, a Causa Primeira das

Coisas, O Vigia Universal. Quero que O encontre.

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Para Acabar de Vez com a Cultura
Woody Allen
Livraria Bertrand

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domingo, 16 de maio de 2010

B.B. King at his best

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Manuela Cristóvão

Isabel Bastos e Manuela Cristóvão







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som

sábado, 8 de maio de 2010

Linhas

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sexta-feira, 7 de maio de 2010

Teresa Dias Coelho





Na 9arte
Rua D. Luís, 22, Lisboa

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Herberto Helder

(simília similibus)


Quem deita sal na carne crua deixa
a lua entrar pela oficina e encher o barro forte:
vasos redondos, os quadris
das fêmeas - e logo o meu dedo se põe a luzir
ao fôlego da boca: onde
o gargalo se estrangula e entre as coxas a fenda
é uma queimadura
vizinha
do coração - toda a minha mão se assusta,
transmuda,
se torna transparente e viva, por essa força que a traga
até dentro,
onde o sangue mulheril queimado
a arrasta pelos rins e aloja, brilhando
como um coração,
na garganta - o sal que se deita cresce sempre
ao enredo dos planetas: com unhas
frias e nuas
retrato as lunações, talho a carne límpida
- porque eu sou o teu nome quando
te chamas a toda a altura
dos espelhos e até ao fundo, se teus dedos abertos tocam
a estrela
como uma pedra fechada no seu jardim selvagem
entre a água: tu tocas
onde te toco, e os remoinhos da luz e do sal se tocam
na carne profunda: como em toda a olaria o movimento
toca a argila e a torna
atenta
à translação da casa pela paisagem rodando sobre si
mesma - a teia sensível,
que se fabrica no mundo entre a mão no sal
e a potência
múltipla de que esta escrita é a simetria,
une
tudo boca a boca: o verbo que estás a ser cada
tua morte
ao que ouço, quando a luz se empina e a noite inteira
se despenha
para dentro do dia: ou a mão que lanço sobre
esse cabelo animal
que respira no sono, que transpira
como barro ou madeira ou carne salgada
exposta
a toda a largura da lua: o que é grave, amargo, sangrento.



Herberto Helder
PHOTOMATON & VOX
Assírio & Alvim
1995

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terça-feira, 4 de maio de 2010

Manuela Cristóvão


A ver

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domingo, 2 de maio de 2010

Sophia de Mello Breyner

Este é o tempo

Este é o tempo
Este é o tempo
Da selva mais obscura

Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura

Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura

Este é o tempo em que os homens renunciam.



Sophia de Mello Breyner
in Mar Novo (1958)

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Ruy Belo

PEREGRINO E HÓSPEDE SOBRE A TERRA

Meu único país é sempre onde estou bem
e onde pago o bem com sofrimento
e onde num momento tudo tenho
O meu país agora são os mesmos campos verdes
que no outono vi tristes e desolados
e onde nem me pedem passaporte
pois neles nasci e morro a cada instante
que a paz não é palavra para mim
O malmequer a erva o pessegueiro em flor
asseguram o mínimo de dor indispensável
a quem na felicidade que tivesse
veria uma reforma e um insulto
A vida recomeça e o sol brilha
a tudo isto chamam primavera
mas nada disto cabe numa só palavra
abstracta quando tudo é tão concreto e vário
O meu pais são todos os amigos
que conquisto e que perco a cada instante
Os meus amigos são os mais recentes
os dos demais países os que mal conheço e
tenho de abandonar porque me vou embora
pois eu nunca estou bem aonde estou
nem mesmo estou sequer aonde estou
Eu não sou muito grande nasci numa aldeia
mas o país que tinha já de si pequeno
fizeram-no pequeno para mim
os donos das pessoas e das terras
os vendilhões das almas no templo do mundo
Sou donde estou e só sou português
por ter em portugal olhado a luz pela primeira vez


Ruy Belo
País Possível
Editorial Presença
1998

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