segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Herberto Hélder





A água nas torneiras, nos diamantes, nos copos.
E entre inocência e inteligência estudava-se a arte.
Exemplo: a arte do ar queimado que passa pela boca
se a mão de alguém entra por mim dentro
e revolve
canos grossos, artérias, intestinos,
o sangue.
Deus, mão entrada.
A voz encurva-me todo.
Nos fulcros, à mesa, pelo fogo, onde as linhas se encontram nos grandes
objectos do mundo, sento-me,
e alimento-me, e a fruta adoça-se até ao oculto,
e eu sei tudo, e esqueço.
Quis Deus que eu entenebrecesse.
Que se fizesse em mim a abertura por onde saem
madeiras frias, ferros
para os talheres,
carne,
e jarras que trepidam com a força das corolas,
diamantes por onde se bebe.
Deus disse: um idioma que brilhe.
E eu trabalho para este espaço em que ponho a mão a peso
de sangue, o dom
de exercer os instrumentos terrestres.
Se vibram os arcos da respiração,
se a baforada encrespa o ar quente nas linhas.

Herberto Hélder
A Faca não corta o Fogo
súmula & inéditos
Assírio & Alvim
2008

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