quinta-feira, 20 de novembro de 2008

FRANK O'HARA

PORQUE NÃO SOU UM PINTOR

Eu não sou um pintor, sou um poeta.
Porquê? Penso que preferia ser
um pintor, mas não sou. Bom,

Mike Goldbetg, por exemplo,
está a iniciar um quadro. Eu apareço.
«Senta-te e toma uma bebida» diz
ele. Eu bebo; nós bebemos. Reparo
«Tu tens sardinhas aí».
«Sim, precisava de qualquer coisa ali.»
«Oh.» Eu saio e os dias passam
e eu eu apareço de novo. O quadro
avança, e eu saio, e os dias
passam. Eu apareço. O quadro está
terminado. «Onde estão sardinhas?»
o que resta são apenas
letras. «Era demasiado», diz Mike.

E eu? Um dia estou a pensar numa
cor: laranja. Escrevo uma linha
acerca de laranja. Em breve é uma
página que está cheia, não de linhas, de palavras.
Depois outra página. Deveria haver
muitíssimo mais, não laranja,
palavras, como é terrível o laranja
e a vida. Os dias passam. Acontece ser
em prosa, sou um verdadeiro poeta. O meu poema
está terminado e ainda nem sequer mencionei
o laranja. São doze poemas, chamo-lhes
laranjas. E um dia numa galeria
vejo o quadro de Mike, chamado SARDINHAS.

FRANK O'HARA (1926-1966)
Vinte Cinco Poemas à Hora do Almoço
(tradução de José Alberto Oliveira)
Poemário 2004
Assírio & Alvim

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