terça-feira, 10 de março de 2009

Isabel Bastos

Isabel Bastos

Os sinuosos caminhos da arte

Nasceu na freguesia da Sé num tempo que não era seu. Sedenta de cultura e Mundo, casou pela liberdade. Foi para Lisboa, onde trabalhou com doentes de sida e fundou a Associação 'Sol'. O amor levou-a à arte, onde se realizou. Isabel Bastos é o seu nome.

Diário de Notícias- Madeira
Data: 08-03-2009


O espaço é pequeno para tanta arte. Mas não se pense que impera a desorganização. As obras estão impecavelmente dispostas e apesar de se tratar de um recanto discreto, a 'Prova de Artista' não passa despercebida ao turista ou ao transeunte mais curioso que passa junto à galeria, no centro de Lisboa. Isabel Bastos, a mentora deste projecto, dá autênticas lições de arte contemporânea a quem lá passa. Fá-lo com o gosto de quem percorreu os caminhos mais sinuosos, com partida na freguesia da Sé, na Madeira, até Lisboa, por onde deambulou 21 anos a trabalhar em psicologia do trabalho, até se encontrar com a sua paixão primeira: a arte, nas suas diferentes dimensões. Tudo arrumado no coração da galerista madeirense, ávida de transmitir o gosto e o conhecimento a quem se interessa. Casamento pela liberdade Mas comecemos pelo início. Isabel Bastos nasceu no Funchal na década de 50. Provou as dificuldades insulares, numa época em que a arte nem conceito era na Região. Nessa altura, já era uma mulher fora do seu tempo. A ambição passava por "ser independente". "Não queria enriquecer financeiramente, queria viajar muito, ter liberdade e enriquecer culturalmente", recorda à MAIS. Tratavam-se, contudo, de aspirações difíceis numa ilha asfixiada pelo regime e valores da época. Por isso, encontrou o caminho no casamento. Tinha 17 anos. "Pensei que casando teria a liberdade e independência, como me enganei", revela. A cerimónia foi feita pelo padre de quem recebia aulas de Religião e Moral, no Liceu de Jaime Moniz. "O meu pai não queria dar autorização", lembra ainda. Mas, a custo, conseguiu levar o plano avante. "Era a única aluna casada da escola e estava tudo à espera que eu estivesse grávida", prossegue. Não era o caso. Ficou na Madeira ainda mais dois anos, mas o casamento abalaria um ano depois de começar. "Descobri que o meu marido arranjou outra companheira, confrontei-o e decidimos afastar-nos", confessa. Não cruzou, contudo, os braços e rumou a Lisboa, para onde foi estudar psicologia na ESOCT - Escola Superior de Organização Científica do Trabalho. "Fiquei a viver na casa de uns primos", afirma. Passado algum tempo, o marido entrou no mesmo estabelecimento de ensino para o mesmo curso. "Começámos por ser colegas e resolvemos dar mais uma hipótese ao casamento", explica. A tentativa voltaria a sair furada, uma vez que o jovem não resistira aos encantos de uma colega de curso. Foi o ponto final. Foi fundadora da 'Sol' Certo é que Isabel Bastos não se imaginava a voltar definitivamente à Região. "Não convivo bem com uma rotina numa ilha", justifica. "Estava ansiosa por me vir embora", acrescenta. O que não tem remédio, remediado está. "Divorciei-me devia ter 23/24 anos, não sou muito boa em datas", revela. Nesta altura, e enquanto estudava, já trabalhava na secretaria da Faculdade de Ciências de Lisboa. Seguiram-se alguns anos a trabalhar em saúde. "Tive um convite para abrir um laboratório médico, passados alguns anos surgiu a hipótese de abrir o Instituto Clínico Imunológico de Lisboa". A madeirense foi acolhendo as possibilidades e desenvolvendo a actividade profissional ligada, por um lado, à actividade laboratorial, por outro, aos recursos humanos. Estávamos na década de 80 e começava-se a falar em vírus da sida. "Tive a oportunidade de contactar com os primeiros casos da doença em Portugal com quem trabalhei", lembra. Nessa altura, foi convidado pelo médico amigo Lino Rosado, que era director do Hospital Pediátrico Estefânia, em Lisboa, para estruturar uma Organização Não Governamental, que viria a chamar-se 'Sol'. "Fomos os primeiros a construir a Associação", desvenda. Isabel Bastos foi voluntária e vice-presidente da 'Sol' e teve oportunidade de, nessa qualidade, visitar bairros e escolas em trabalho de prevenção na área da sida. "Foi muito gratificante", assegura. Se a vida profissional corria de vento em popa, a pessoal era mais atribulada. A psicóloga passaria por um segundo casamento, com um advogado de Lisboa, que acabaria cerca de dois anos depois. "Foi muito atribulado", diz. O amor que acabou paixão Foi, no entanto, o amor que a levou à arte, um caminho que à partida lhe estava vedado. "Nunca tive contacto com arte na Madeira", sublinha. Tinha 40 anos quando casou com o artista plástico português David de Almeida. O enlace durou mais de uma década e deixou marcas profundas. "Construí esta galeria muito por influência dele", confidencia. Nessa altura, deixava a psicologia do trabalho e a saúde para dar lugar aos novos e procurava o desafio seguinte. A vida a dois fê-la despertar para um novo mundo. Apaixonou-se pela obras em papel, que diz serem "desvalorizadas e mal-amadas em Portugal". "As pessoas não dão valor porque não sabem o trabalho que dá", defende. E acrescenta: "É preciso uma ginástica mental e concentração enormes". A 'Prova de Artista', que nasceu em 2003, procura fazer essa pedagogia e são muitas as obras expostas que usam este suporte. "As pessoas julgam que o desenho, a litografia, a serigrafia original são processos mecânicos", conta. E por isso, quando se apercebe do interesse de alguém por um objecto de arte, apressa-se a apresentar as técnicas, o artista e o 'background'. A venda parece secundária. Missão: Trazer ópera à Madeira O negócio soma e segue, mas Isabel Bastos está longe de estagnar. Começou por juntar às pintura e esculturas, a música clássica e cada exposição é inaugurada com um concerto, que se faz no pátio do hotel onde está instalada a galeria. Já expôs um sem-número de artistas nacionais e, sobretudo, estrangeiros, e agora está interessada em descentralizar a cultura pelo país. Teve oportunidade de levar obras originais a Castelo Branco e a Foz Côa, no âmbito de um projecto do Ministério da Cultura, mas não quer ficar por aí. O sonho tem comandado a vida desta madeirense com sede de Mundo. "Quero levar uma ópera à Madeira", revela, ciente das dificuldades. Na opinião da galerista, a predisposição para a música na Região é grande, pois reconhece que "foi feito um trabalho notável na Região neste âmbito. Na música avançou-se, nas artes visuais é mais tortuoso", critica. "Não me parece que haja muita abertura na Madeira", afirma, revelando que já tentou -sem sucesso - levar uma exposição à Região. A responsável acompanha, contudo, a carreira da artista plástica madeirense Fernanda Garrido, de quem é fã confessa. Isabel Bastos afirma que a Madeira ainda tem muito a fazer nesta área, mas acredita que o problema é cultural e não geográfico. "Nas ilhas espanholas, por exemplo, é normal as pessoas visitarem uma galeria, na Madeira não", analisa. Tem, porém, esperança de ver as coisas mudarem. Uma coisa é certa: não cruzará os braços. "Não é uma questão de apoios económicos", defende, sublinhando que os "projectos constroem-se com os apoios humanos". É o "gosto pelas coisas novas" que a levou por esta viagem, onde passou por verdadeiras provas de artista.

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