sábado, 18 de outubro de 2008

Hartley Howard




I



Às vezes, em Nova Iorque, quando começa a nevar nunca mais acaba. Esta foi uma delas. Havia três dias que uma nevasca árctica varria todo o litoral leste; alturas de neve de três e três metros e meio bloqueavam as estradas, paralisavam o tráfego pelos caminhos de ferro e faziam gato sapato dos horários dos transportes colectivos. Comboios e autocarros circulaavam com horas de atraso e os portos estavam atravancados de barcos que aguardavam que o temporal abrandasse para se fazerem ao mar.
A cidade tivera também o seu quinhão de contratempos:fios telegráficos arrancados pelo vento ou quebrados pelo peso do gelo; ruas obstruidas pela neve congelada e onde tudo quanto tinha rodas saltava e escorregava; valetas sobre as quais se erguiam paredes de um branco sujo, que cresciam ràpidaamente à medida que turnos de empregados camarários limpaavam os passeios, às pàzadas, numa batalha perdida contra os turbilhões de neve que caíam sem cessar.
E estava frio. O vento vinha direitinho dos gelos flutuantes do Norte e abria caminho por todas as fendas e buracos, sorvendo a vida e o calor e deixando em
seu lugar um torpor gelado. A temperatura continuava a descer na manhã do quarto dia.
Parara à porta da barbearia do Hymie, situada ao lado da baiuca onde tenho o meu escritório, e observava o termómetro colocado na montra, antes de subir.
O barbeiro veio ter comigo, a soprar nos dedos fechados e a bater os pés.
- Olá, Mr. Bowman! Ainda tem dez dedos?

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Distingui dois vultos, através do vidro granitado em que incidia a luz do corredor. Um era mais alto do que o outro embora ambos fossem de pessoas baixas e pouco corpulentas. Aguardavam que as mandasse entrar, apesar do convite escrito na porta, e eu observava-as com uma sensação de constrangimento que me irritava. Se os meus visitantes tivessem más intenções, não estariam com cerimónias: nunca me constou que alguém pedisse licença para entrar antes de apontar uma arma. No entanto, não conseguia afastar da ideia a ameaça fria contida na voz que me telefonara.

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- Entre!
Quando a porta se abriu, deparei com duas simpáticas velhinhas daquelas que espreitam debaixo da cama antes de apagarem a 1uz. Não tenho grande queda por velhotas (o meu gosto vai dos vinte aos trinta e poucos} mas estas pareciam dois antigos camafeus vitorianos, devolvidos à vida e borrifados de fragante e fresca alfazema.

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- É Mr. Bowman? Mr. Glenn Bowman? -perguntou-me com voz suave, de acento do Sul.
Levantei-me e sorri-lhe também:
-Sim, sou Bowman. Em que posso ser-lhes útil, minhas senhoras?

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- Chamo-me Mary Parsons. - E, com uma leve inclinação de cabeça, que lhe fez tilintar os brincos, indicou a companheira: -A minha irmã mais nova, Harriet. Desejamos contratar os seus serviços, Mr. Bowman.

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-Quando souber do que se trata, Mr. Bowman, talvez não deseje ajudar-nos. - Os lábios tremeram-he e inclinou-se para a frente, suplicante. - Oxalá me engane! Ninguém nos dá ouvidos, aqui... dissemos a todos que sabíamos que Cecilia não faria tal coisa, mas limitaram-se a encolher os ombros e a replicar que lamentavam muito. e. irritante! - concluiu,

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- Para começar, quem é Cecilia?
- Era nossa sobrinha - respondeu Mary -, a única filha do nosso irmão mais novo.

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- Compreendo. - Garatujei meia dúzia de notas no livro de apontamentos e indaguei: - E que fez Cecilia, Miss Parsons?
- Morreu.
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Hartley Howard
Passaporte para o Inferno
Colecção Vampiro

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