A saia
A SAIA DE MARIA FERNANDES
Um escriptor portuguez, discorrendo ácerca dos tributos injustamente postos ao povo, diz que raras vezes deixou Deus, de, providencialmente, mostrar, que lhe desagrada a ve¬xação do povo. E para abonar a sua preposição cita varios factos, e entre outros o seguinte:
EI-rei O. João III lançou um tributo ao povo para as fes-
tas do casamento do principe D. João, seu filho.
Havia então em Montemór-o-Novo uma mulher muito po¬bre dos bens da terra, mas muito rica dos do céo; sua vida era ouvir uma missa pela manhã, resar o seu rosario e vir para casa e fiar linho, com o que se sustentava. Eis que um dia chegam os ministros da justiça, e lhe pediram um tostão, que na finta lhe fôra lançado; disse a mulher que n'aquella casa o não havia, e que isto sentia ella muito, porque desejava servir o seu rei.
Entraram os ministros, e tomaram-lhe uma saia com que ia á missa. Que faria esta pobre mulher? Eram as lagrimas tantas, que parece subiam aos céos os suspiros e as ancias. E foi tanto o excesso da mulher, que chegou aos ouvidos d'el-rei, o qual disse que sua tenção não era vexar aos pobres.
Comtudo o principe morreu em tempo de nove mezes.
Logo a rainha D. Catharina começou a dar taes demonstra¬ções de tristesa, que chegou a se pôr ás contas com Deus.
_ E bem, senhor, oito filhos me levastes, agora este que era o lume dos meus olhos, me arrebataes? Que é is¬to? Que peccados tenho commeltido contra vossa divina magestade?
Ouvindo o rei isto, lhe disse:
- Senhora, não vos queixeis de Deus, não vos matou elle vosso filho. Sabeis quem o matou? A saia de Maria -Fernandes de Montemór-o-Novo.
Observaremos que o escriptor era ecclesiastico, e que não tanto vociferava contra o vexame de injustos impostos. como contra os que se exigiam aos ecclesiasticos e ás pes¬soas que serviam a Deus.
A saia de Maria Fernandes, que o fisco tomára, era aquella com que ia á missa, e por isso o alludido escriptor insiste no caso.
Mas, comtudo, outros exemplos apresenta, que são me¬ras coincidencias casuaes.
Todavia, sempre os portuguezes reagiram contra os tri¬bulos vexatorios, e de que não havia immediata necessidade.
SUMMARIO DE VARIA HISTORIA
NARRATIVAS, LENDAS, BIOGRAPHIAS, DESCRIPÇÕES DE TEMPLOS E MONUMENTOS,
ESTATISTICAS, COSTUMES CIVIS, POLITICOS E RELIGIOSOS DE OUTRAS ERAS
por RIBEIRO GUIMARÃES
1874
EI-rei O. João III lançou um tributo ao povo para as fes-
tas do casamento do principe D. João, seu filho.
Havia então em Montemór-o-Novo uma mulher muito po¬bre dos bens da terra, mas muito rica dos do céo; sua vida era ouvir uma missa pela manhã, resar o seu rosario e vir para casa e fiar linho, com o que se sustentava. Eis que um dia chegam os ministros da justiça, e lhe pediram um tostão, que na finta lhe fôra lançado; disse a mulher que n'aquella casa o não havia, e que isto sentia ella muito, porque desejava servir o seu rei.
Entraram os ministros, e tomaram-lhe uma saia com que ia á missa. Que faria esta pobre mulher? Eram as lagrimas tantas, que parece subiam aos céos os suspiros e as ancias. E foi tanto o excesso da mulher, que chegou aos ouvidos d'el-rei, o qual disse que sua tenção não era vexar aos pobres.
Comtudo o principe morreu em tempo de nove mezes.
Logo a rainha D. Catharina começou a dar taes demonstra¬ções de tristesa, que chegou a se pôr ás contas com Deus.
_ E bem, senhor, oito filhos me levastes, agora este que era o lume dos meus olhos, me arrebataes? Que é is¬to? Que peccados tenho commeltido contra vossa divina magestade?
Ouvindo o rei isto, lhe disse:
- Senhora, não vos queixeis de Deus, não vos matou elle vosso filho. Sabeis quem o matou? A saia de Maria -Fernandes de Montemór-o-Novo.
Observaremos que o escriptor era ecclesiastico, e que não tanto vociferava contra o vexame de injustos impostos. como contra os que se exigiam aos ecclesiasticos e ás pes¬soas que serviam a Deus.
A saia de Maria Fernandes, que o fisco tomára, era aquella com que ia á missa, e por isso o alludido escriptor insiste no caso.
Mas, comtudo, outros exemplos apresenta, que são me¬ras coincidencias casuaes.
Todavia, sempre os portuguezes reagiram contra os tri¬bulos vexatorios, e de que não havia immediata necessidade.
SUMMARIO DE VARIA HISTORIA
NARRATIVAS, LENDAS, BIOGRAPHIAS, DESCRIPÇÕES DE TEMPLOS E MONUMENTOS,
ESTATISTICAS, COSTUMES CIVIS, POLITICOS E RELIGIOSOS DE OUTRAS ERAS
por RIBEIRO GUIMARÃES
1874
Etiquetas: antiguidades, costumes
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