terça-feira, 13 de abril de 2010

ALBERT CAMUS


Os curiosos acontecimentos que servem de assunto a esta
história produziram-se em 194 ... , em Oran. Segundo a opinião geral, não estavam aí no seu devido lugar, antes saíam um pouco do habitual. A primeira vista, Oran é, com efeito, uma cidade vulgar, que não passa de uma prefeitura francesa na costa argelina.
A própria cidade, confessemo-lo, é feia. Com 0 seu aspecto calmo, é preciso algum tempo para se perceber o que a torna diferente de tantas outras cidades comerciais em todas as
latitudes. Como imaginar, por exemplo, uma cidade sem pombas, sem árvores e sem jardins, onde não se sente 0 bater de asas nem o sussurro de folhas, uma cidade neutra, para dizer tudo? Só no céu se lê aí a mudança das estações. A Primavera apenas se anuncia pela qualidade do ar ou pelos cestos de flores trazidos por rapazitos dos arredores; é uma Primavera que se vende nos mercados. Durante 0 Verão, o Sol incendeia as casas demasiado secas e cobre as paredes de uma cinza cinzenta; então, só é possível viver à sombra das persianas corridas. No Outono é, pelo contrário, um dilúvio de lama. Os dias bonitos só vêm no Inverno.
Uma maneira cómoda de travar conhecimento com uma cidade é descobrir como lá se trabalha, como se ama e como se morre. Na nossa pequena cidade, talvez por efeito do clima, tudo se faz ao mesmo tempo, com 0 mesmo ar frenético e distante. Quer dizer que as pessoas se aborrecem e se aplicam a criar hábitos. Os nossos concidadãos trabalham muito, mas só para se enriquecerem. Interessam-se principalmente pelo comércio e ocupam-se, em primeiro lugar, segundo a sua própria expressão, em fazer negócios.

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A Peste
Albert Camus
Colecção Miniatura
Edição "Livros do Brasil" Lisboa




PRIMEIRO ACTO

CENA PRIMEIRA

Numa sala do palácio estão agrupados alguns patrícios que denotam agitação. Entre eles destaca-se um muito idoso.


PRIMEIRO PATRÍCIO

Nada.

VELHO PATRÍCIO

Nada de manhã, nada de tarde.

SEGUNDO PATRÍCIO

Três dias passados, e nada.

VELHO PATRÍCIO

Os mensageiros partem, os mensageiros voltam. Sacodem a cabeça e dizem: "Nada".

SEGUNDO PATRÍCIO

Procura-se em toda a parte, não há nada a fazer.

PRIMEIRO PATRÍCIO

Porque nos estamos a inquietar antes de tempo?
Aguardemos. Voltará talvez como partiu.

VELHO PATRÍCIO

Vi-o sair do palacio. Tinha um olhar estranho.

PRIMEIRO PATRÍCIO

Também eu, e perguntei-Ihe o que tinha.

SEGUNDO PATRÍCIO

Respondeu?

PRIMEIRO PATRÍCIO

Uma única palavra: «Nada».

(Pausa. Entra Helicon, comendo uma cebola).

SEGUNDO PATRÍCIO , sempre nervoso.

É inquietante.

PRIMEIRO PATRÍCIO

Ora, todos os rapazes são assim.

VELHO PATRÍCIO

Claro, a idade tudo perdoa.

SEGUNDO PATRÍCIO

Acha?

PRIMEIRO PATRÍCIO

Esperemos que esqueça.

VELHO PATRÍCIO

Evidentemente! Uma perdida, dez encontradas.

HELICON

E quem vos garante que se trata de amor?

PRIMEIRO PATRÍCIO

Que mais poderia ser?

HELICON

Talvez o fígado. Ou apenas o desgosto de vos ver todos os dias.
Suportaríamos muito melhor os nossos contemporâneos se eles de vez em quando mudassem de ventas.
Mas não, a ementa não varia. É sempre o mesmo fricassé.

VELHO PATRÍCIO

Prefiro pensar que se trata de amor. É mais enternecedor.

HELICON

E tranquilizador. Sobretudo tranquilizador. É uma doença do género das que não poupam nem os inteligentes nem os estúpidos.

PRIMEIRO PATRÍCIO

Os desgostos não são eternos, felizmente. Sois capazes de sofrer mais de um ano?

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Calígula
seguido de
O Equívoco
Albert Camus
Colecção Miniatura
Edição "Livros do Brasil" Lisboa

Tesouros do alfarrabista

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