ALBERT CAMUS
Os curiosos acontecimentos que servem de assunto a esta
história produziram-se em 194 ... , em Oran. Segundo a opinião geral, não estavam aí no seu devido lugar, antes saíam um pouco do habitual. A primeira vista, Oran é, com efeito, uma cidade vulgar, que não passa de uma prefeitura francesa na costa argelina.
A própria cidade, confessemo-lo, é feia. Com 0 seu aspecto calmo, é preciso algum tempo para se perceber o que a torna diferente de tantas outras cidades comerciais em todas as
latitudes. Como imaginar, por exemplo, uma cidade sem pombas, sem árvores e sem jardins, onde não se sente 0 bater de asas nem o sussurro de folhas, uma cidade neutra, para dizer tudo? Só no céu se lê aí a mudança das estações. A Primavera apenas se anuncia pela qualidade do ar ou pelos cestos de flores trazidos por rapazitos dos arredores; é uma Primavera que se vende nos mercados. Durante 0 Verão, o Sol incendeia as casas demasiado secas e cobre as paredes de uma cinza cinzenta; então, só é possível viver à sombra das persianas corridas. No Outono é, pelo contrário, um dilúvio de lama. Os dias bonitos só vêm no Inverno.
Uma maneira cómoda de travar conhecimento com uma cidade é descobrir como lá se trabalha, como se ama e como se morre. Na nossa pequena cidade, talvez por efeito do clima, tudo se faz ao mesmo tempo, com 0 mesmo ar frenético e distante. Quer dizer que as pessoas se aborrecem e se aplicam a criar hábitos. Os nossos concidadãos trabalham muito, mas só para se enriquecerem. Interessam-se principalmente pelo comércio e ocupam-se, em primeiro lugar, segundo a sua própria expressão, em fazer negócios.
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A Peste
Albert Camus
Colecção Miniatura
Edição "Livros do Brasil" Lisboa
PRIMEIRO ACTO
CENA PRIMEIRA
Numa sala do palácio estão agrupados alguns patrícios que denotam agitação. Entre eles destaca-se um muito idoso.
PRIMEIRO PATRÍCIO
Nada.
VELHO PATRÍCIO
Nada de manhã, nada de tarde.
SEGUNDO PATRÍCIO
Três dias passados, e nada.
VELHO PATRÍCIO
Os mensageiros partem, os mensageiros voltam. Sacodem a cabeça e dizem: "Nada".
SEGUNDO PATRÍCIO
Procura-se em toda a parte, não há nada a fazer.
PRIMEIRO PATRÍCIO
Porque nos estamos a inquietar antes de tempo?
Aguardemos. Voltará talvez como partiu.
VELHO PATRÍCIO
Vi-o sair do palacio. Tinha um olhar estranho.
PRIMEIRO PATRÍCIO
Também eu, e perguntei-Ihe o que tinha.
SEGUNDO PATRÍCIO
Respondeu?
PRIMEIRO PATRÍCIO
Uma única palavra: «Nada».
(Pausa. Entra Helicon, comendo uma cebola).
SEGUNDO PATRÍCIO , sempre nervoso.
É inquietante.
PRIMEIRO PATRÍCIO
Ora, todos os rapazes são assim.
VELHO PATRÍCIO
Claro, a idade tudo perdoa.
SEGUNDO PATRÍCIO
Acha?
PRIMEIRO PATRÍCIO
Esperemos que esqueça.
VELHO PATRÍCIO
Evidentemente! Uma perdida, dez encontradas.
HELICON
E quem vos garante que se trata de amor?
PRIMEIRO PATRÍCIO
Que mais poderia ser?
HELICON
Talvez o fígado. Ou apenas o desgosto de vos ver todos os dias.
Suportaríamos muito melhor os nossos contemporâneos se eles de vez em quando mudassem de ventas.
Mas não, a ementa não varia. É sempre o mesmo fricassé.
VELHO PATRÍCIO
Prefiro pensar que se trata de amor. É mais enternecedor.
HELICON
E tranquilizador. Sobretudo tranquilizador. É uma doença do género das que não poupam nem os inteligentes nem os estúpidos.
PRIMEIRO PATRÍCIO
Os desgostos não são eternos, felizmente. Sois capazes de sofrer mais de um ano?
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Calígula
seguido de
O Equívoco
Albert Camus
Colecção Miniatura
Edição "Livros do Brasil" Lisboa
Tesouros do alfarrabista
Etiquetas: antiguidades, literatura
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