Jean Cocteau
O FILHO DO AR
A mãe abre a sombrinha e diz: «Meu filho, avança.»
Um cigano veloz e livre como a dança,
agudo como o raio e como ele feroz,
vê, porém, lá ao longe, a criança que foge,
brincando distraída, sem que a sombrinha branca
a abrigue.
«Socorro», grita a mãe. A criança
perdeu-se, todavia, na névoa da distância.
Podes ameaçar, suplicar, nada serve:
o teu filho fugiu nos braços da quimera.
Ela já tem a voz cansada de chamar:
o filho cai no fundo dum tinteiro, a sonhar.
E noutro sonho julga que entrou, ao acordar:
está na casa onde vivem as crianças raptadas,
como a Ursa Maior, de estrelas construída,
sempre pronta a partir, sempre pronta a parar
- uma casa espantosa, sobre rodas erguida.
E a mãe não sossega, e a mãe já está rouca,
a mãe soluça e volta sempre atrás, como louca,
procurando o seu filho e sem o encontrar.
Desesperada, em vão ela chama a polícia:
o raio e os ladrões têm igual malícia;
a polícia, aliás, não tem um grande faro
e os meninos roubados sabem andar no ar.
Logo pela manhã, ousam a temerosa
travessia no arame, de maillot cor-de-rosa.
Para terem sucesso, quanta calma e perícia!
E a mãe está sentada, de luto, muito triste,
sentada, muito triste, encostada à janela.
É como se o menino não fosse filho dela:
eles surgem de súbito, os meninos raptados,
no campo dos ciganos, à volta da fogueira,
ninguém sabe daonde, onde foram roubados.
Têm direito a vinho, se se faz bom dinheiro.
Ele toca o tambor, ele voa. A mãe morre.
É vasto o mundo - e novo, nocturno, perturbante.
Ó mães, desconfiai das janelas, das portas,
dos feitiços daqueles que os filhos vos transportam
nessas casas que vão por montes e barrancos,
puxadas pela luz de dois cavalos brancos.
Jean Cocteau
O Filho do Ar
in O Filho do Ar
Tradução de Gastão Cruz
Relógio d´Água
1998
A mãe abre a sombrinha e diz: «Meu filho, avança.»
Um cigano veloz e livre como a dança,
agudo como o raio e como ele feroz,
vê, porém, lá ao longe, a criança que foge,
brincando distraída, sem que a sombrinha branca
a abrigue.
«Socorro», grita a mãe. A criança
perdeu-se, todavia, na névoa da distância.
Podes ameaçar, suplicar, nada serve:
o teu filho fugiu nos braços da quimera.
Ela já tem a voz cansada de chamar:
o filho cai no fundo dum tinteiro, a sonhar.
E noutro sonho julga que entrou, ao acordar:
está na casa onde vivem as crianças raptadas,
como a Ursa Maior, de estrelas construída,
sempre pronta a partir, sempre pronta a parar
- uma casa espantosa, sobre rodas erguida.
E a mãe não sossega, e a mãe já está rouca,
a mãe soluça e volta sempre atrás, como louca,
procurando o seu filho e sem o encontrar.
Desesperada, em vão ela chama a polícia:
o raio e os ladrões têm igual malícia;
a polícia, aliás, não tem um grande faro
e os meninos roubados sabem andar no ar.
Logo pela manhã, ousam a temerosa
travessia no arame, de maillot cor-de-rosa.
Para terem sucesso, quanta calma e perícia!
E a mãe está sentada, de luto, muito triste,
sentada, muito triste, encostada à janela.
É como se o menino não fosse filho dela:
eles surgem de súbito, os meninos raptados,
no campo dos ciganos, à volta da fogueira,
ninguém sabe daonde, onde foram roubados.
Têm direito a vinho, se se faz bom dinheiro.
Ele toca o tambor, ele voa. A mãe morre.
É vasto o mundo - e novo, nocturno, perturbante.
Ó mães, desconfiai das janelas, das portas,
dos feitiços daqueles que os filhos vos transportam
nessas casas que vão por montes e barrancos,
puxadas pela luz de dois cavalos brancos.
Jean Cocteau
O Filho do Ar
in O Filho do Ar
Tradução de Gastão Cruz
Relógio d´Água
1998
Etiquetas: poesia/poetry/poesie
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