sexta-feira, 29 de abril de 2011
Charles Simic
LARANJA COR DE SANGUE
Está tão escuro que o fim do mundo pode estar próximo.
Convenço-me que vai chover.
Os pássaros no jardim estão silenciosos.
Nada é o que parece,
Nem nós mesmos.
.
Na nossa rua há uma árvore tão grande
Que podemos esconder-nos todos nas suas folhas.
Nem precisaremos de roupas.
Sinto-me tão velho como uma barata, disseste.
Imagino-me passageiro de um navio-fantasma.
Agora nem um suspiro lá fora.
Se alguém abandonou uma criança no nosso patamar,
Deve estar a dormir.
Tudo está a vacilar na borda de tudo
Com um sorriso polido.
É porque há coisas neste mundo
Sem qualquer solução, disseste.
Nesse instante ouvi a laranja cor de sangue
Rebolar pela mesa e com um baque
Cair no chão rachada ao meio.
Charles Simic
PREVISÃO DE TEMPO
PARA UTOPIA E ARREDORES
selecção e tradução de
José Alberto Oliveira
Assírio & Alvim
Está tão escuro que o fim do mundo pode estar próximo.
Convenço-me que vai chover.
Os pássaros no jardim estão silenciosos.
Nada é o que parece,
Nem nós mesmos.
.
Na nossa rua há uma árvore tão grande
Que podemos esconder-nos todos nas suas folhas.
Nem precisaremos de roupas.
Sinto-me tão velho como uma barata, disseste.
Imagino-me passageiro de um navio-fantasma.
Agora nem um suspiro lá fora.
Se alguém abandonou uma criança no nosso patamar,
Deve estar a dormir.
Tudo está a vacilar na borda de tudo
Com um sorriso polido.
É porque há coisas neste mundo
Sem qualquer solução, disseste.
Nesse instante ouvi a laranja cor de sangue
Rebolar pela mesa e com um baque
Cair no chão rachada ao meio.
Charles Simic
PREVISÃO DE TEMPO
PARA UTOPIA E ARREDORES
selecção e tradução de
José Alberto Oliveira
Assírio & Alvim
Etiquetas: poesia/poetry/poesie
quinta-feira, 7 de abril de 2011
Fernando Guimarães
PARA ALGUÉM DESCONHECIDO
O sono há-de tornar mais pesadas as suas palavras. É ali que se
[vêem
as nuvens apagadas, os campos depois de feitas as colheitas, os
simples vestígios de uma praia qualquer porque foi perto dela que
[nasceu. Já uma
das mãos se inclina para a água e ao deixar entreabertos os dedos
acaba por sentir a sua frescura próxima, circular. Era este o aceno
que se aguardava como se fosse um mistério. Pode ficar mais
[próximo
o seu rumor. Mas o que ele escuta é diferente. Surpreende agora a
[poeira
que se ergue com o vento e reconhece outras veredas maiores. Está
[desenhado
um rasto de sangue como se fosse uma letra. Que sentido ela pode
[fazer
sozinha, mesmo que a pronuncie? Ah, nenhum. Ignoramos de que
[veias
este sangue chegava, mas ali mostraram-lhe como uma ave
[principia
o seu voo quando tudo nos pareceu mais nítido. A volta das flores
descobre um odor que já tinha esquecido. É assim. Ao longo desta
[praia
veio encontrar ainda os barcos, as velas erguidas, a espuma
abandonada pelas ondas, o seu rumor. Poderia referir-se a cada
[ruga
do rosto como se fosse o caminho que só as lágrimas conseguiam
com tranquilidade percorrer. Sem que o tivesse esperado,
[aproxima-se
mais o nevoeiro. É o que tantas vezes acontece junto a este mar
desconhecido. Abre de novo uma das mãos para que esteja perto
do vento, para que o sinta finalmente. E também para que ela se
[torne
maior. Sabemos que é assim que precisa desta mão porque já
[perdeu tudo.
Fernando Guimarães
REQUIEM
Lições de Trevas
Edições quasi
O sono há-de tornar mais pesadas as suas palavras. É ali que se
[vêem
as nuvens apagadas, os campos depois de feitas as colheitas, os
simples vestígios de uma praia qualquer porque foi perto dela que
[nasceu. Já uma
das mãos se inclina para a água e ao deixar entreabertos os dedos
acaba por sentir a sua frescura próxima, circular. Era este o aceno
que se aguardava como se fosse um mistério. Pode ficar mais
[próximo
o seu rumor. Mas o que ele escuta é diferente. Surpreende agora a
[poeira
que se ergue com o vento e reconhece outras veredas maiores. Está
[desenhado
um rasto de sangue como se fosse uma letra. Que sentido ela pode
[fazer
sozinha, mesmo que a pronuncie? Ah, nenhum. Ignoramos de que
[veias
este sangue chegava, mas ali mostraram-lhe como uma ave
[principia
o seu voo quando tudo nos pareceu mais nítido. A volta das flores
descobre um odor que já tinha esquecido. É assim. Ao longo desta
[praia
veio encontrar ainda os barcos, as velas erguidas, a espuma
abandonada pelas ondas, o seu rumor. Poderia referir-se a cada
[ruga
do rosto como se fosse o caminho que só as lágrimas conseguiam
com tranquilidade percorrer. Sem que o tivesse esperado,
[aproxima-se
mais o nevoeiro. É o que tantas vezes acontece junto a este mar
desconhecido. Abre de novo uma das mãos para que esteja perto
do vento, para que o sinta finalmente. E também para que ela se
[torne
maior. Sabemos que é assim que precisa desta mão porque já
[perdeu tudo.
Fernando Guimarães
REQUIEM
Lições de Trevas
Edições quasi
Etiquetas: poesia/poetry/poesie
Fátima Maldonado
AS GRINALDAS DA GUERRA
Quem te disse
que não estaria longe
se regressada a casa
me afastasse?
Quem te disse que poderias falar-me
de mãe a bicho
de fonte a jarro
de tecto a telha?
O ódio que te tenho
como podes supor
que esmorece?
Os beijos sobre palmas
só permitem
céptico adiar de execuções
incrédulas entradas triunfais
em sábados de Ramos.
O irritante herói
a provocar traição
o desmedido orgulho
a disfarçar o medo
que não chegue depressa
o vil comboio.
E se não se detém
ou se não o vislumbra?
Por isso não pára de agitar-se
e chama a atenção com fogos e bandeiras
a espera insuportável
transforma-a em arena
acomete nas feras
farpas de abandono.
Fátima Maldonado
Fidelidades
cadeias de transmissão
frenesi
1999
Quem te disse
que não estaria longe
se regressada a casa
me afastasse?
Quem te disse que poderias falar-me
de mãe a bicho
de fonte a jarro
de tecto a telha?
O ódio que te tenho
como podes supor
que esmorece?
Os beijos sobre palmas
só permitem
céptico adiar de execuções
incrédulas entradas triunfais
em sábados de Ramos.
O irritante herói
a provocar traição
o desmedido orgulho
a disfarçar o medo
que não chegue depressa
o vil comboio.
E se não se detém
ou se não o vislumbra?
Por isso não pára de agitar-se
e chama a atenção com fogos e bandeiras
a espera insuportável
transforma-a em arena
acomete nas feras
farpas de abandono.
Fátima Maldonado
Fidelidades
cadeias de transmissão
frenesi
1999
Etiquetas: poesia/poetry/poesie