domingo, 30 de novembro de 2008

Weegee







http://www.amber-online.com/exhibitions/weegee-collection

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Algarve

Eduardo Pitta

SIGILOSO REFÚGIO

Era mais do que uma casa: era um refúgio
bom, forrado de livros, gravuras e mesmo
alguns retratos. O fragor do mar
não colidia nunca com o canto da lareira

e a impaciência de Xavier, o siamês.
Rimbaud andara por lá, correndo pelas dunas,
os pescadores a extasiarem-se
daquele perfil de água. Tinha roubado amoras

para fazer a compota com que alimentara
os amigos que lhe escutaram os versos. Fugiu
um dia, numa sigilosa noite, de bote, a coberto
das escarpas de Porto Batel. A casa

ainda lá continua, habitada pela memória
desolada de quem ficou. O quintal abriga
peregrinos, o vento, vegetação rasteira
e o jogo ardiloso de dois amantes.

Eduardo Pitta
29.3.1983
COLÓQUIO Letras
número 76 Novembro de 1983


Ainda se lembrava dos seus tempos de rapaz.
Quando era tudo de perfil. Nem podia ser
de outro modo: de perfil e em diorite
como nos retratos do Império Antigo. Muitos

iriam acolher depois os ritos do primitivo
estigma. Nos parques, na penumbra dos relvados,
ficou dessa queimadura uma legenda. Alguns
resistem. Paralisa-os a vertigem de uma estreita

afeição. No limite do conhecimento, a tremer
de alegria, encontram aquilo que
tinha sido esquecido. A cabeça entre as pernas
nem sempre se distingue de um sussurro

de lâminas. A música de tal desígnio percute
nas sílabas todas do inominado canto. Às vezes
por um punhado de lágrimas, equívoco maior.
É claro que a iniquidade continua impune.

Eduardo Pitta
Poesia Escolhida
Círculo de Leitores


Eu vi o tédio atravessar o tempo
atribulado da infância
e espelhar-se naquele rosto

ainda de menino. A cicuta,
o medo, tanto desamor
submerso na água de olhar.

Não tem memória. É de outros
a vontade, o apelo, a boca
acesa ao interdito. Vertigem

alguma o perturba. Mãos rudes
fixam-lhe o perímetro da pele,
secreto desígnio.

Imobiliza-se lentamente na claridade
líquida da cidade
e fosforesce em contraluz.

Eduardo Pitta
ARBÍTRIO
& etc
1991


Foi contigo que aprendi a cidade
sílaba a sílaba,
pedra, aço e lascas de cristal.

A cidade dos pássaros interditos
na ocasionalidade
de um galho por acaso.

A cidade das buganvílias
violáceas de medo,
excrescentes de lirismos.

A cidade dos pães calcetados
e dos meninos que, de
fome, os apetecem.

A cidade das culatras
inevitáveis
para o alvo que lhes sobra.

A cidade protestada a prazo
de um dia
de nunca mais.

A cidade geometrizada
na infalibalidade
dos seus labirintos.

Foi contigo, foi.
Foi contigo que aprendi a amar
desordenadamente.

Eduardo Pitta
Marcas de Água
Imprensa Nacional Casa da Moeda

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Bairro Alto

Portugal

A Portugal

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.

Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fátua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,

és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não


Jorge de Sena



No país dos sacanas

Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?

Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.

Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.

No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.

10/10/1973

Jorge de Sena




O PORTUGAL FUTURO

O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infància que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro

Ruy Belo


LUGAR ONDE

Neste país sem olhos e sem boca
hábitos dos rios castanheiros costumados
país palavra húmida e translúcida
palavra tensa e densa com certa espessura
(pátria, de palavra apenas tem a superfície)
os comboios são mansos têm dorsos alvos
engolem povoados limpamente
tiram gente de aqui põem-na ali
retalham os campos congregam-se
dividem-se nas várias direcções
e os homens dão-lhes boas digestões:
cordeiros de metal ou talvez grilos
que mãe aperta ao peito os filhos ao ouvi-los?
Neste país do espaço raso do silêncio e solidão
solidão da vidraça solidão da chuva
país natal dos barcos e do mar
do preto como cor profissional
dos templos onde a devoção se multiplica em luzes
do natal que há no mar da póvoa do varzim
país do sino objecto inútil
única coisa a mais sobre estes dias
Aqui é que eu coisa feita de dias única razão
vou polindo o poema sensação de segurança
com a saúde de um grito ao sol
combalido tirito imito a dor
de se poder estar só e haver casas
cuidados mastigados coisas sérias
o bafo sobre o aço como o vento na água
País poema homem
matéria para mais esquecimento
do fundo deste dia solitário e triste
após as sucessivas quebras de calor
antes da morte pequenina celular e muito pessoal
natural como descer da camioneta ao fim da rua
neste país sem olhos e sem boca

Ruy Belo


------------------------
Esta é a ditosa pátria minha amada,
à qual se o Céu me dá que eu sem perigo
torne, com esta empresa já acabada,
acabe-se esta luz ali comigo.
Esta foi Lusitânia, derivada
de Luso ou Lisa, que de Baco antigo
filhos foram, parece, ou companheiros,
e nela antão os íncolas primeiros.
----------------------------

Luís Vaz de Camões
Os Lusíadas

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sábado, 29 de novembro de 2008

Maman

 
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sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A realidade é real?





8. O "Experimentador Divino"


O Mistério dos Pára-Brisas

No final da década de cinquenta, a cidade de Seattle
foi presa de um estranho fenómeno: os pára-brisas de
um número crescente
de carros apareciam marcados com pequenas cicatrizes
em forma dentada. A situação tornou-se tão séria que,
a pedido do governador, o presidente Eisenhwoer enviou
uma equipa de técnicos do National Bureau of Standards
para investigar o mistério. Para citar Don D. Jackson,
fundador e primeiro director do Instituto de Investigação
Mental de Palo Alto:
[Eles] encontraram rapidamente duas teorias espalhadas
para explicar a causa das marcas. Os teóricos da
«poeira radioactiva»insistiam que os recentes
testes atómicos feitos pelos russos tinham contaminado
a atmosfera, o que, ajudado pelo clima húmido de Seattle,
produzira uma poeira radioactiva que estava a regressar
à terra em forma de chuva que fazia com que os vidros
estalassem. Os teóricos «macadame» insistiam que o
programa de auto-estradas do ambicioso governador Rosollini
estava a produzir inúmeras faixas de estradas recentemente
macadamizadas. Essas estradas, mais uma vez com a ajuda do
nevoeiro muito húmido, salpicavam gotas ácida contra os
ditos pára-brisas.
Em vez de investigar qualquer uma destas teorias, os
técnicos desviaram a sua atenção (graças a Deus) para
um problema mais primário. Provaram que não havia
qualquer aumento de marcas nos pára-brisas em Seattle.
O que acontecera fora uma espécie de histeria de massas:
à medida que os relatórios de marcas nos pára-brisas
foram chamando a atenção de cada vez mais gente, essas
pessoas começaram a investigar os seus próprios carros.
A maioria olhou de perto para o vidro do lado de fora em
vez de o fazer, como é costume, de dentro para fora.
Foi assim que descobriram as marcas que são
quase sempre causadas pelo uso normal. O que explodira em
Seattle fora uma epidemia, não de marcas nos pára-brisas
mas de observação dos pára-brisas.
Mais uma vez, um fenómeno menor, perfeitamente natural
(tão natural que ninguém tinha reparado nele antes)
foi subitamente associaado a questões fortemente
emocionais (a «poeira radioactiva» soviética e
um programa de construção de estradas questionável
do ponto de vista ecológico) e que pela sua própria
força alcançou proporções que cada vez mais
convenciam as pessoas.
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Paul Watzlawwick
A Realidade é Real
Relógio d´Água

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quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Arte portuguesa

Gil Teixeira Lopes




Justino Alves



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Federico García Lorca

Do alfarrabista




GACELA V
DEL NIÑO MUERTO

Todas las tardes en Granada,
todas las tardes se muere un niño.
Todas las tardes el agua se sienta
a conversar con sus amigos.

Los muertos llevan alas de musgo.
El viento nublado y el viento limpio
son dos faisanes que vuelan por las torres
y el día es un muchacho herido.

No quedaba en el aire ni una brizna de alondra
cuando yo te encontré por las grutas del vino.
No quedaba en la tierra ni una miga de nube
cuando te ahogabas por el rio.

Un gigante de agua cayó sobre los montes
y el va11e fue rodando con perros y con lirios.
Tu cuerpo, con la sombra violeta de mis manos,
era, muerto en la ori11a, un arcángel de frio.

FEDERICO GARCÍA LORCA
DIVAN DEL TAMARIT
LLANTO POR IGNACIO SANCHEZ MEJIAS
SONETOS
Alianza Editorial

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terça-feira, 25 de novembro de 2008

So sad

Beleza

Depressão





Dépression saisonnière : une molécule incriminée



Les jours raccourcissent, le froid se glisse sous les portes, et une vague de morosité vous envahit. C'est la dépression saisonnière, qui affecte des millions de Français. Tristesse, ralentissement des activités, manque de motivation: la faute aux « transporteurs de la sérotonine », des molécules du cerveau qui seraient responsables de la baisse de l'humeur liée à une diminution de l'ensoleillement. À l'Université de Toronto et à celle de Vienne, des neurobiologistes ont montré que les transporteurs de la sérotonine sont plus nombreux dans le cerveau en hiver qu'en été. Leur fonction naturelle est d'évacuer une molécule cérébrale synonyme de bonne humeur: plus il y a de transporteurs de la sérotonine, moins il y a de sérotonine, et moins on se sent gai.

Pourquoi le cerveau est-il ainsi fait? On pense qu'i1 s'agit d'une adap-
tation de l'organisme à la « morte saison »: nos ancêtres vivaient en plein air, parcourant de longues distances à la recherche de gibier. Lorsque l'hiver arrivait, il fallait réduire les déplacements, se confiner dans un espace elos en bougeant le moins possible pendant de longs mois, tout en diminuant ses dépenses énergétiques. La baisse de sérotonine produit en partie ces effets qui ne sont plus adaptés dans les sociétés urbaines ou l'activité économique doit se poursuivre à un rythme constant! Quant à l'augmentation des suicides en hiver, en parti est liée à la dépression et à la baisse saisonnière de sérotonine, elle révele que nous avons perdu ce qui permettait à nos ancêtres de survivre avec moins de sérotonine : la vie de é1an soutenue par la chaleur de la collectivité.

N. PRASCHAK-RIEDER et al., Archives of General Psychiatry, vol. 65, p. 1072, 2008

© Cerveau & Psycho - N° 30

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Poesia experimental


António Nelos, "No segre gay tion"

Emerenciano, "Escripintura", 1985





delongas
deloongas
delooongas
deloooongas
delooooongas
deloooooongas
delooooooongas
deloooooooongas
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deloooooooooongas
delooooooooooongas
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Alexandre O´Neill, "Delongas", 1972

Antologia da Poesia Experimental Portuguesa
Carlos Mendes de Sousa
e Eunice Ribeiro(organizadores)
Angelus Novus

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domingo, 23 de novembro de 2008

Ana Hatherley

BALADA DO PAÍS QUE DÓI

O barco vai
o barco vem

português vai
português vem

o corpo cai
o corpo dói

português vai
português cai

o barco vai
o barco vem

português vai
português vem

o país cai
o pais dói

o tempo vai
o termpo dói

português cai
português vai
português sai
português dói

CALADOS

Bateu à porta o agente
mostrou o cartão e disse
fomos informados.


Ana Hatherly, "Balada do pais que dói" [1964-1966]
Antologia da Poesia Experimental Portuguesa
Carlos Mendes de Sousa
e Eunice Ribeiro
(organizadores)
Angelus Novus

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Ruy Belo

O PORTUGAL FUTURO

O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro

Ruy Belo

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Feira de Arte de Lisboa


Pormenor

Pormenor





Termina segunda-feira

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sábado, 22 de novembro de 2008

Catedral de Siena - Itália

Jorge de Sousa Braga

Portugal

Portugal
Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse
oitocentos
Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de
África
só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais
e nunca mais voltasse
Quase chego a pensar que é tudo uma mentira
que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney
e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente
Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional
(que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póker com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electro-choques e está a recuperar
àparte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de
rosas
Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do
Império
mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem lograr uma pérola que fosse
das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador
Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu
mas que tem o coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentugal
e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade
Portugal estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete Salazar estava no poder nada
de ressentimentos
um dia bebi vinagre nada de ressentimentos
Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe
Portugal
gostava de te beijar muito apaixonadamente
na boca

Jorge de Sousa Braga

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Fra Filippo Lippi


Retrato de Mulher e de Homem
Cerca de 1440

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Tiziano Vecellio


Vénus com organista e um cão (pormenor)
Cerca de 1550

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Boaventura de Sousa

AUTO-RETRATO

Este retrato tem barulho de escada rolante
que se cala em movimento

o chão dos achados
rodeia o mapa de flores pesadas
e os degraus germinam nos pés
à cata de gente média
passageira imóvel dos factos

cresce com o excesso latino
a morte vitalícia de um céu mecânico

a espera é d'aço menino
como um século corporal
vestido de santos e arcanjos
entre os pardais da cama

os troféus escondem os donos
e pensam grosso à sobremesa

sou um homem casado
com dois ou três princípios
que não têm fim.



Boaventura de Sousa
Madison e Outros Lugares
Edições Afrontamento
1989

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Bernardo Pinto de Almeida

Poema


Eu não sabia então -
nem sei se mesmo hoje saberei -
que a poesia era para isto
falar das coisas miseráveis
- a memória do que é miúdo, o que é rasteiro -
o sono escombros que o mar devolve à terra.

Ou então lembrar meu Pai
suas mãos secas tisnadas do sol
sua vasta alma camponesa rosto de terra
coração de menino olhos ingénuos
um chapéu protegendo-lhe a cabeça
caminhando entre folhas de videira
suavemente falando aos que trabalhavam na colheita
[se acercassem de um outro campo mais acima
para colher sob sol braseiro
uvas que eu ia devorando
até do sumo doce fartar minha boca.

Ou lembrar meu avô
que conduzia mal
levando o carro pelo meio da estrada de província
a buzinar longamente em cada curva
afugentando galinhas ovelhas
crianças ranhosas
filhas do álcool.

Lembrá-lo agora como quem evoca um sabor cheiro
[da infância
não chegando para me humedecer os olhos
(não sou especialmente dado à comoção)
leva-me a um outro tempo:
um tempo de girassóis e de pão farto e doce
a encher-me a boca miúda
momentos coincidentes com o agora:
a guerra na Palestina as eleições em França
a notícia de um óbito no jornal do dia
a graça do pivô a fechar outro telejornal
ou tão-somente essa presença intensa
teu perfil recortado no ecrã dos meus olhos.

Tudo acontecendo ao mesmo tempo numa linha
[horizontal
em simultâneo como se de fora
como se fosse um outro
desconhecendo sempre
o lugar exacto a que pertenço.


Bernardo Pinto de Almeida
hotel spleen
Quetzal Editores

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quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Alentejo-1

Alentejo

Horizonte-1

Horizonte

Alquimia & Misticismo


As últimas visões de Hildegard von
Bingen, escritas em 1163-1173, têm a ver
com a integração do homem na ordem da
criação divina.
O amor divino do Filho surge-lhe no céu
sob uma forma cósmica, de cor vermelha,
só ultrapassada pela bondade do Pai.
Sobre o seu peito, viu a «roda do
mundo», onde ardiam dois fogos: o fogo
claro do amor e o fogo sombrio da justiça,
e ambos marcavam os limites extremos
do universo. As doze cabeças de animais
representam os ventos e as virtudes que
formam o sistema de correlações em que
o homem existe como coroamento da
criação.


Hildegard von Bingen, Liber Divinorum Operum, século XIII

Alquimia & Misticismo
O Museu Hermético
Taschen

escrito vadio

a mulher tem uma tatuagem no coração e vários piercings na alma
e em qualquer dos casos não vê maneira de se curar deles

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FRANK O'HARA

PORQUE NÃO SOU UM PINTOR

Eu não sou um pintor, sou um poeta.
Porquê? Penso que preferia ser
um pintor, mas não sou. Bom,

Mike Goldbetg, por exemplo,
está a iniciar um quadro. Eu apareço.
«Senta-te e toma uma bebida» diz
ele. Eu bebo; nós bebemos. Reparo
«Tu tens sardinhas aí».
«Sim, precisava de qualquer coisa ali.»
«Oh.» Eu saio e os dias passam
e eu eu apareço de novo. O quadro
avança, e eu saio, e os dias
passam. Eu apareço. O quadro está
terminado. «Onde estão sardinhas?»
o que resta são apenas
letras. «Era demasiado», diz Mike.

E eu? Um dia estou a pensar numa
cor: laranja. Escrevo uma linha
acerca de laranja. Em breve é uma
página que está cheia, não de linhas, de palavras.
Depois outra página. Deveria haver
muitíssimo mais, não laranja,
palavras, como é terrível o laranja
e a vida. Os dias passam. Acontece ser
em prosa, sou um verdadeiro poeta. O meu poema
está terminado e ainda nem sequer mencionei
o laranja. São doze poemas, chamo-lhes
laranjas. E um dia numa galeria
vejo o quadro de Mike, chamado SARDINHAS.

FRANK O'HARA (1926-1966)
Vinte Cinco Poemas à Hora do Almoço
(tradução de José Alberto Oliveira)
Poemário 2004
Assírio & Alvim

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quarta-feira, 19 de novembro de 2008

António Franco Alexandre

É nesta casa sem janelas que mora
dulcineia! dulcineia! já antes se mostrara
que, do amor, só conhecemos a ideia;

ficou-me a glória de dizer-lhe o nome, e em verso fosco
desenhar-lhe a figura, a sem figura. Digo,

do mar ausente, a amurada, o parapeito;
dos vastos campos, a amplidão celeste;
da água, o seu rumor nos tornozelos.

fiquei-me gordo e só, na estrebaria imunda,
roendo coisas vãs pelos cabelos,
a arremessar com folhas a gigantes.

E agora vou nascer, num só instante;
ser, de uma ilha, o rei deposto e vivo;
tomar-me, também eu, falso gigante.

ANTÓNIO FRANCO ALEXANDRE (1944)
Poemas
Poemário 2004
Assírio& Alvim

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terça-feira, 18 de novembro de 2008

Colecção da George Eastman House

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Motoda Hisaharu

Daniel Dociu

domingo, 16 de novembro de 2008

Tarkovski-Nostalgia

N.Y.



Cosby Street
Nova Iorque
2005

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